terça-feira, 30 de novembro de 2010

Modelo Versalhes em acabamento Nomex double-sided

Vale Muricana, Prima Porta 29.11.2010

Fotografei um sofá de 2 lugares ao lado da Vale Muricana onde trafega a linha 35. Fazia tempo que namorava esse local. Amanhã  passarei de ônibus e de dentro  poderei ver um pouco da dignidade do objeto recuperado entre os pedaços que tive que juntar. Ao mínimo toque ele já se desmanchava como geléia. Triste essa sensação ao imaginar pessoas com tanto apego a objetos e estes no fim não cumprirem a promessa enfática dos catálogos comerciais.

sábado, 27 de novembro de 2010

Piazza di Spagna

Piazza di Spagna     27.11.2010

Em 1786  Wolfgang Goethe saiu de Frankurt e veio morar na Via del Corso nº18,  casa de seu amigo e pintor, Tischbein; em Roma. Quem conhece Roma no outono poderá viver uma experiência sinestésica cromoaromática (não é a regra, alguns se decepcionam e acabam descontando a frustração no cartão de crédito). Eu vivi essa experiência sinestésica na linha 35 que passa pela Vale Muricana. O aroma exótico dos desodorantes e perfumes árabes, jordanianos,  paquistaneses e indianos incendiou minhas terminações neuro-epitélicas empurrando lá pra baixo essa massa de emoções cruas  geralmente provocados pelos odores desconhecidos. Não é uma sensação fácil de lidar. Já ouvi falar em especialistas que inventam cheiro de automóvel saído de fábrica. Como dar uma dimensão humana pra essa torrente de imagens mentais que os aromas da linha 35 provocam em mim numa manhã de novembro?
Goethe veio à Lazio em busca de outro panegírico: as cores italianas. Dois séculos antes das tabelas do adobe e do pantone Goethe esperava unificar as cores numa metodologia sistemática que vinculava  matizes cromáticas às forças sensitivas e mentais. E hoje fala-se com muita pompa e propriedade que lugar de lâmpada vermelha é em cima de balcão de açougue.  Mas há conspirações mais preocupantes a serem entendidas desde já: os produtos mercadológicos deixarão de ser imagens cromáticas e passarão a ser imagens mentais sumariamente canalizados pela nossa napa. Aí a força é bruta. Um naso desavisado é sempre um território sem lei..

  

domingo, 21 de novembro de 2010

Nada do que foi será

Pista Ciclabile  Milvo-Castel




Moro atualmente no subúrbio de Roma,  num distrito chamado Borgo Pinetto. Administrativamente o povoado responde a Sacrofano, um pedaço medieval a caminho de Bracciano, Tarquínia e Viterbo. Sempre tive o hábito de sapecar o google earth todos os sábados à procura das matas ciliares e vazios civilizacionais do interior de São Paulo que experimentava in loco aos domingos.  Então meus dias santos eram fagueiros, indescritívelmente desinteressados (note que não usei a palavra “desinteressante”) e sem objetivos definidos. Na Itália não encontro tais vazios. Tudo se liga a algo que está relacionado a uma outra coisa que complementa sua história mais adiante, sempre mais para frente. E essa história nunca termina, pois ela serve de gancho pro povoado que contamina aquele possível próximo pedaço de "nada" que nunca segue imaculado. E tudo fica parecendo subúrbio, amontoados de cohabs servidos por linhas de trens urbanos  escangalhados como no ABC. Daqui da Europa eu me dou conta porque a lenda do Eldorado Tupiniquim fascinava tanto os Europeus. As caravelas zarpavam para o novo mundo não à procura de ouro e diamante, mas vazios não contaminados pela civilização. É claro que a minha colocação parece ingênua, pois nossa sociedade satelital deu novo entendimento à palavra vazio. Desvelamos as intimidades do planeta  sem derramarmos o sêmen da civilização, então tenho em mãos a imagem dos vazios do sub-sahara, do interior da Austrália, ou onde Judas Iscariotes perdeu as sandálias - e da minha escrivaninha posso montar a minha reserva de mercado de lugares “a serem contaminados”. Mesmo que eu nunca vá botar os pés nestes lugares alguém vai fazer isso depois. E é por isso que eu me assusto quando vejo a Itália lá de cima. Tudo está impregnado de agorafobia e mesmo que eu vá para os Abruzzos, Láquilas ou Sicílias da vida,  tenho a inquietante sensação de que estou consumindo uma vontade ultrapassada.
Piranhas é uma cidadezinha perdida na beira do São Francisco. Topei com ela numa noite de sábado zanzando pelo Google Earth. Minhas mãos suaram e meu pensamento voou pra lá. Daqui de Borgo Pinetto, mesmo com todo o esquadrinhamento topográfico do planeta, Piranhas parece mais na puta que o pariu do que nunca. 



sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Fontana de Trevi

Fontana de Trevi, 23.10.2010


Um tal de Edward Bernay emigrou para os EUA nas primeiras décadas do século XX. Sobrinho de Freud, Bernay quis experimentar os princípios do mecanismo libidinal aplicado aos objetos que deveriam ser essencialmente funcionais . Um sapato servia para proteger os pés. Depois de Bernay um sapato deveria emanar a personalidade cativante de seu proprietário  com o álibi de proteger os pés. O álibi do carro era encurtar a distância entre duas pessoas. Depois de Bernay o valor passou  à espera lânguida do desfrute  veicular entre a casa e o shopping center. As rodas pelo menos continuaram a ser redondas.
Em 1929 a queda da bolsa demonstrou que os signos não poderiam, ao menos naquele estágio do consumo da civilização industrial, ultrapassar a finalidade primária dos objetos. Então Perrier passou a ser água novamente, Campbells passou a ser sopa e Ford passou a ser carro. Mas a fome, essa nunca teve marca.
Bernay caiu e depois  levantou-se de novo.
Digo isso pois qualquer lugar que você aponte a câmera diante dos pontos turísticos mais visitados do planeta, é grande a possibilidade de uma marca escorregar pra dentro do enquadramento ( chamo de "Event Horizon da Caixa Preta") Fazemos isso constantemente, sem nos darmos conta. E com estômago cheio ou não, seguimos capitalizando a mentira dos objetos. 
Para o meu amigo Fabrício Bregion (in memorian)
  

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Via dei Fiume

Via dei  Fiume esq. com Lungotevere in Augusta

Sinto Roma como uma senhora soberba que esconde sua artrite dos fregueses que passam apressados diante de seu balcão. Há um contingente de “barbones” que cresce a cada dia à entrada do Termini Flamínio,  carregando seus sacos de roupa e  pertences higiênicos enquanto o inverno não resolve descer das montanhas de vez.  Junto às plataformas rodam várias ciganas, algumas grávidas, outras lactantes abraçando uma penca de bebês (chegam a acomodar três de uma vez só num carrinho Burigotto), pedindo esmolas e subtraindo com seus dedos ágeis as carteiras dos turistas alemães.  O Italiano médio aprendeu a ser frívolo nessa selva de albaneses, zíngaros, romenos, polacos e africanos. Todos usam a mesma fila pra aliviar a bexiga no único vaso da estação. Se considerarmos que toda a área foi alicerçada sob camadas e camadas de história romana e etrusca, pra onde flui toda essa energia?
Vejo os jornais de emprego e concursos públicos pendurados numa banca de revistas: o aeroporto de Fiumiccino anuncia  125 vagas para agentes aduaneiros. Uma adolescente de não mais de 15 anos  saca da sua mochila um maço de Camel enquanto folheia uma revista de variedades. E como  fuma com classe!
A menos de um quilômetro de onde estou fica a Piazza del Popolo, a convergência das ruas mais elegantes de Roma.  Gucci, Fendi, Cartier, Ferrari, e uma infinidade de pátina e cera que certamente desviará os olhares turistas destes joelhos  inchados e cansados que Roma esconde debaixo de sua saia..
(Via del Fiume 7.11.2010,  Hasselblad 500cm e distagon 50mm)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Inessencialismos precários

Tanquinho, apêndice (no sentido pejorativo) distrital de Piracicaba
Aqui não há espaço para grandes filosofias. O mundo é um elefante velho, pesado, carregado de tralhas  sobressignificantes. Não existe imagem feia, bonita, boa ou má. Desde já, descarte os velhos maniqueísmos.  A  grande aventura está fora das salas de aula de publicidade e propaganda. Non Quindi é uma inocente reflexão sobre como tudo virou inessencial, e como o inessencial obstrui o nosso espaço democrático. O mundo é um elefante velho e pesado. Ele já não é capaz de andar pelas ruas sem  enroscar nos objetos que um dia nos prometeram felicidades imponderáveis. O mundo é um elefante velho e pesado.
 (Ilford FP5 400 revelado com Microphen 1:1)