(Distrito de Quiapo/Manila) Abril de 2011, com Nikon D100
Lendo as notícias e vendo as fotos do tufão Hayan me vejo de volta a uma
Manila confusa, gasosa, superpopulosa, com um céu eternamente blindado por uma
parede de nuvens carregadas. Nem uma brisa. Só a camisa de poliamida nº10 do
Flamengo grudando na barriga e suor
escorrendo em bicas. Saí a pé, em abril de 2011, de um bairro nobre em direção à cloaca de uma metrópole cujo
sistema de transporte coletivo desafiaria qualquer engenheiro de trânsito
ocidental.
Roxas Boulevard, Intra-Muros,
Quezon Boulevard e por fim, Quiapo.
Quiapo é um bairro histórico e palco de importantes movimentos
políticos, sublevações, seqüestros e mortes. Reduto superpovoado e decadente ao
extremo beirando o canal Pasig, fétido e miasmático. Em meio à escuridão de
vielas cada vez mais apertadas uma multidão de barracas vendendo lulas no
espeto, Dorians abertos para consumo imediato, carne de frango e porco
caramelado, já às portas da entrada da igreja do Nazareno Negro. A necessidade de aproximar a imagem da Candelária com a do Nazareno Negro
foi instintiva. Precisava de uma referência. Estava totalmente perdido, nenhum
mapa, nenhum número de telefone e sem dinheiro.
Lugar errado, camisa errada, e uma terrível vontade de me aprofundar e
tomar cada vez mais contato com aquela multidão que se misturava entre velas,
orações e vendas de artigos católicos.
Me veio à tona de que nas proximidades daquele quadrilátero que parecia
um mini-Vaticano funcionava uma das células da Al-Qaida pré-11 de
setembro. Os que pousavam os olhos em
mim apontavam o indicador e gritavam alegremente: Hey Joe!! Mas a grande maioria apenas jazia inerte, em
profunda contemplação, orando e murmurando para aqueles enormes painéis de
amuletos santos piscantes. Talvez o
momento de colocar a máquina fotográfica de volta na mochila e me dissolver em
total discrição havia chegado. Mas eu
estava petrificado. Não era medo, era uma coisa bem diferente, era uma doce
felicidade.
Quando vejo as fotos do rastro de destruição do Hayan a doce felicidade
se transforma em triste nostalgia. Mas também um secreto orgulho. Os filipinos
têm tudo: furacões, terremotos, maremotos, erupções vulcânicas, um triste e
insuperável abismo social, corrupção política e aquela eterna subserviência com
a igreja católica. O Vaticano parece
alimentar especial interesse em combater os programas de prevenção de
natalidade e de DST´s em solo filipino.
Tudo isso, e mais trezentos anos de dominação espanhola, curtas mas
violentas ocupações japonesas e chinesas e outro século como colônia americana
fez dos filipinos um dos povos mais resilientes do planeta.
Não foi um furacão que espalhou
essa gente franzina de olhar amansado pelos quatro cantos do planeta. É um
problema secular, pós-colonial, mas que não altera a profunda vontade de
regressar às origens. O contingente global de trabalhadores filipinos
"oversea-workers" resiste a todas as intempéries culturais para
juntar dinheiro e mandar para suas famílias
praticamente tudo que geram no exterior.
É uma economia esquizóide. Não existe PIB (Produto Interno Bruto), mas
sim PEB (Produto Externo Bruto).
E como suas casas nativas de Nipa (folhas de palmeiras trançadas) com
suas delicadas tramas que se curvam sempre quando bate aquelas tremendas
tempestades, o filipino se ajoelha, reza, enterra seus mortos e recomeça.