Sorrateiramente, como se prenunciasse o que viria meses depois, este livro aparece na estante da livraria do museu de arte moderna de Stuttgart. São textos claros e objetivos que não se banalizam no erro da indução a uma guerra de trincheiras.
domingo, 21 de agosto de 2011
Arte e ativismo
Sorrateiramente, como se prenunciasse o que viria meses depois, este livro aparece na estante da livraria do museu de arte moderna de Stuttgart. São textos claros e objetivos que não se banalizam no erro da indução a uma guerra de trincheiras.
sexta-feira, 25 de março de 2011
Hauptbanhof Frankfurt
Münchener Str. Estação Central, Frankfurt |
Tem um trem que sai pra Bucareste meia noite. Uma hora depois segue outro em direção à Praga. O de Amsterdam sai quinze minutos depois daquele que vai pra Nápoles. Perto da estação central um leque de hotéis, dos pulgueiros de última categoria aos pós-modernos como da rede Radisson. Gosto do Radisson construído dentro do Termini de Roma com suas paredes de vidro fundindo-se à plataforma de trem: um lounge protegido por vidro fumê, dois pianos de cauda, cadeiras de ratan e poltronas de sobriedade oriental. Você desembarca de um trem regional ou de uma conexão de Varsóvia, não importa, e o portão à sua frente, convidativo, minúsculo, escondendo um mundo de lassidão a preços inacessíveis.
A de Berlim é ameaçador. É como se fossem três estações de trens superpostas em camadas, uma em cima da outra, dentro de um polígono de aço, titânio e vidro com a visão do parlamento alemão ao fundo. A primeira coisa que se lê no desembarque: “daqui se rege a vontade do povo”
A de Frankfurt talvez tenha mais algo a ver com a de Roma: são os quarteirões em volta com seus estabelecimentos multiétnicos. Produtos filipinos, iranianos, libaneses e argentinos. A distância do solo natal nem sempre impõe carências de paladar e olfato. Nada mais coerente: na saída da estação rodoviária Novo Rio, misturado aos interstícios das passarelas e elevados é onde estão os barracos da buchada de bode e mocotó. No velho continente a mesma coisa, atrás dos cubos gigantes de aço e vidro de Koolhass escondem-se as barracas imbiss onde chiam os churrasquinhos de gato. Talvez e de forma silenciosa a corrente migratória da humanidade venha ocupando a escuridão destes nichos na tentativa de se sentir em casa. A pátria poderia ser apenas uma informação destacável e portátil? Isso mesmo. Pátria portátil? Não é que vivemos a desreferencialização dos nossos valores, é que vivemos a desterritorialização de nossas referências.
quarta-feira, 9 de março de 2011
Rossmarkt Platz* , Frankfurt
Projekt Rossmarkt3 |
Um planejamento urbano que estrategiza câmeras de vigilância em diversos pontos do espaço público não está preocupado em identificar ameaças exógenas mais que suas próprias subversividades endógenas. E aí reside o perigo: não é a preocupação pós 11 de setembro ou a criminalidade doméstica posta sob escrutínio, é a massa social e as fissuras pontuais que podem eventualmente germinar “dentro” de uma sociedade terrorista. Sociedade “terrorista”, lembrando Henri Lefebvré, não é um estado de terror político banhado em sangue e atentados, mas o refinamento de uma cultura em que cada um reprime o seu próximo e se auto-reprime no intento de legitimar suas auto-compensações via consumo dirigido. Estas compensações satisfazem as necessidades fabricadas pela enxurrada de ofertas publicitárias de produtos e serviços que recebemos, desde o momento em que acordamos até o momento em que voltamos a dormir (e nesse sentido "Metropia"[1], a animação de Tarik Saleh é uma brilhante metatopia[2] do que seria o mundo do consumo dirigido levado às últimas conseqüencias). No topo dessa cadeia, é claro, um Estado abstrato e intangível que só se materializa sob a forma de câmeras de vigilância, sustentando ações corporativas que alienam o homem de suas reais necessidades. É esse o Estado do terror difuso apontado por Lefebvré. É esse o Estado de uma sociedade terrorista. As câmeras são muito mais efetivas que armas de efeito moral em mãos de PM´s, pois mexem com o incorpóreo de nós como construção social e psicológica especialmente sensível: a nossa imagem. Pense bem: é aterrorizante não saber o que sussurram sobre nossa imagem , é aterrorizante saber que ela é vigiada, é aterrorizante saber que a parte mais cara para nós é a parte sobre a qual temos menos controle.
Evoluimos, segundo Foucault, de um corpo supliciável nas sociedades de soberania, para um corpo moldável nas sociedades disciplinares. Mas este valor corpóreo já não existe nas sociedades terroristas. E quem nunca ouviu falar do medo de ter a “imagem arranhada”? Arranhar a imagem é ser pego no ato por uma câmera de vigilância, não importa qual delito, e dar-se conta que o ato pode ser repetido públicamente em loop, ad infinitum. Não é a penalidade em si que aterroriza, mas sim a desgraça da imagem. Ter a imagem arranhada é arruinar um investimento de uma vida inteira. O Estado terrorista é esse ente panóptico que esquadrinha e disciplina nossas aspirações a um cotidiano raso e previsível. Ele tem esse poder porque pouco a pouco e sem nos darmos conta, confiamos nossa imagem ao seu olho eletrônico.
*Rossmarkt é um ponto nevrálgico no coração da cidade de Frankfurt. A poucos metros de lá e estamos na casa de Wolfgang Goethe. O passado inglório de Rossmarkt vem do fato de ter sido local de execuções e suplícios até o início do século XIX.
A escultura poliédrica e espelhada de Tomás Saraceno, bem no coração da praça, dialoga justamente com a mudança das formas de poder, que vem desde o suplício do corpo encarnado durante as formas mais brutais do poder absoluto, ao estado terrorista moderno e supervigiado.
domingo, 27 de fevereiro de 2011
Oberursel
St. Ursula Gasse |
Oberursel, Altstadt. Frankfurt.
“Nunca acredite no sistema.
Seja leal. Acredite em você mesmo” (anonimo)
Alteridade é o estado permanente em que pulsa o coração do viajante. Não é ruim, nem bom, é perturbador. Perturbador porque despersonaliza suas referências, mexe com suas polaridades e afasta os hábitos da zona de segurança. Lidar com isso pode ser experiência brusca ou dolorosa, porque obriga quebrarmos o molde de nossos códigos e recodificar a vida inteira. Mas precisamos nos dar conta que as exigências contemporâneas já são outras. Não viajamos mais. Se muito, visitamos. A viagem ficou na historiografia dos grandes exploradores que invariavelmente começavam a explorar o que germinava no plano mental, e o “fora”, o “estranho”, o “distante” era a corporificação de suas inquietudes e a resposta dessa busca. Não perguntamos mais, e se não há pergunta também não haverá resposta preciosa o suficiente que justifique uma busca para além dos limites de nossa casca. Então a viagem perdeu sentido de ser. Agora visitamos. E pagamos para que nos forneçam perguntas durante as visitas-relâmpago nos cafundós de Judas, lá onde os prospectos turísticos dizem ser o fim do mundo. Fitamos abobalhados o “estranho” que também nos olha como se de um fim de mundo pertencêssemos. Miramos para eles não sabendo que nos olhamos refletidos num espelhinho de banheiro. Lemos em voz alta nossas dúvidas ensaiadas e recebemos respostas fornecidas da mesma maneira, e repentinamente Jaipur perde seu cheiro, Lima perde sua luz, Praga a sua cor. Você pagou para que o mundo abrisse a cornucópia, passou pelo caixa e recebeu uma nota fiscal. Mas as viagens, estas não são mais possíveis. Estamos interconectados num mundo que nos visita enquanto imaginamos visitá-lo. Nós somos o catálogo aberto e a geografia que se oferece no birô de turismo. O mundo sabe de nós mais do que queremos saber dele. E nem sequer desconfiamos disso.
E em momentos assim enxerguei em Lefebvré uma resposta lúcida: a diagnose de nossa inaptidão em formular verdadeiras perguntas que se bem mediadas poderão trazer as verdadeiras respostas reside em nosso medo de errar, em nos transbordarmos em dúvidas legítimas, em enxergar o anverso das estruturas. Este anverso está na periferia, e não no centro. Na periferia das metrópoles, na periferia dos grandes sistemas panópticos do mundo global, na periferia das grandes corporações, na periferia dos sistemas de pensamento engessados em disciplinas repressoras. Enxergar esse mote é livrar-se da casca do turista-visitador e por alguns segundos, voltar a sentir a vertigem da verdadeira viagem. E como tudo que parece novo, é perturbador.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Piazza del Popolo
Piazza del Popolo, Roma 21.12.2010 |
Na Piazza del Popolo descobri que somos todos iguais em qualquer parte do mundo, e nossa igualdade é uma equivalência “burra”, uma “média puxada para baixo”, uma homogeneidade triste, morta e sem poder de transcendência. Pois somos todos iguais não perante nossa fé e nosso desejo de imortalidade, o vânitas liberto pela passagem do tempo, mas justamente no recalque da coisa morta, dos seres frágeis que nos transformamos, inúteis e anacrônicos. A tecnologia prometeu maravilhas efetuando o transporte de nossos corpos a distâncias incomensuráveis e a medicina, por sua vez, nos libertou da dependência hereditária imposta pela fragilidade destes mesmos corpos. Hiperhumanos dispersos no espaço hipermoderno na conquista da hiperfelicidade oferecida pelos cartões de plástico chipados. Em algum momento o telefone deixou de ser instrumento de comunicação, passando a objeto de contemplação cercado de carícias dedilháveis frente a satisfação insossa da prevalência da forma pela função. Em algum momento o carro nos aproximou da possibilidade de sermos completamente absorvidos em nosso envolvimento narcísico pelos gadgets de seu painel, fazendo de nós superdeuses da infovia sem necessidade nenhuma de transporte. Em algum momento o mito da publicidade cobrou demais de nossa fé e não nos devolveu a essência dos objetos. Em algum momento a imagem rôta nos deu a informação que julgávamos necessários para suprir nossa existência e passamos a não nos alimentar mais com fubá e sim com Dona Benta, não beber mais líqüido e sim Evian, não sermos mais originais e sim Colgate, não fazer mais amor e sim Olla, não sermos mais felizes e sim politicamente corretos.
A coisa morta está na fragilidade dos mitos que em nosso automatismo paranóico recalcamos para não nos quebrarmos. Imagine saber que nossas rugas prenunciam o final de nosso tempo, imagine saber que nosso carro não se capitaliza quando o buscamos na concessionária, mas sofre deságio irreparável ao primeiro quilômetro rodado, imagine saber que nosso câncer pancreático é alvo especulatório da indústria farmacêutica antes de qualquer manifestação de solidariedade. E assim devemos nos exacerbar, sempre acelerar, ultrapassar o próximo, superar as expectativas, ser uma seta ascendente na tabela performática, “be smart!!”, “be cool!!” , venha fazer parte de nossa equipe de vendas!!!
Ontem visitei o Museu Nacional Etrusco Villa Giulia, próximo aos Jardins da Villa Borghese. O Ministério da Cultura Italiano investe pesado nas pesquisas e manutenção dos museus (o que aconteceu em Pompéia parece exceção, não que eu admire Berlusconi), e algo me surpreendeu: em câmaras mortuárias etruscas desencavadas na região de Vulci, bigas eqüestres eram sepultadas junto a outros pertences indicando o status social do falecido. Quando eu for pro céu quero levar meu Maverick junto.
terça-feira, 30 de novembro de 2010
Modelo Versalhes em acabamento Nomex double-sided
Vale Muricana, Prima Porta 29.11.2010 |
Fotografei um sofá de 2 lugares ao lado da Vale Muricana onde trafega a linha 35. Fazia tempo que namorava esse local. Amanhã passarei de ônibus e de dentro poderei ver um pouco da dignidade do objeto recuperado entre os pedaços que tive que juntar. Ao mínimo toque ele já se desmanchava como geléia. Triste essa sensação ao imaginar pessoas com tanto apego a objetos e estes no fim não cumprirem a promessa enfática dos catálogos comerciais.
sábado, 27 de novembro de 2010
Piazza di Spagna
Piazza di Spagna 27.11.2010 |
Em 1786 Wolfgang Goethe saiu de Frankurt e veio morar na Via del Corso nº18, casa de seu amigo e pintor, Tischbein; em Roma. Quem conhece Roma no outono poderá viver uma experiência sinestésica cromoaromática (não é a regra, alguns se decepcionam e acabam descontando a frustração no cartão de crédito). Eu vivi essa experiência sinestésica na linha 35 que passa pela Vale Muricana. O aroma exótico dos desodorantes e perfumes árabes, jordanianos, paquistaneses e indianos incendiou minhas terminações neuro-epitélicas empurrando lá pra baixo essa massa de emoções cruas geralmente provocados pelos odores desconhecidos. Não é uma sensação fácil de lidar. Já ouvi falar em especialistas que inventam cheiro de automóvel saído de fábrica. Como dar uma dimensão humana pra essa torrente de imagens mentais que os aromas da linha 35 provocam em mim numa manhã de novembro?
Goethe veio à Lazio em busca de outro panegírico: as cores italianas. Dois séculos antes das tabelas do adobe e do pantone Goethe esperava unificar as cores numa metodologia sistemática que vinculava matizes cromáticas às forças sensitivas e mentais. E hoje fala-se com muita pompa e propriedade que lugar de lâmpada vermelha é em cima de balcão de açougue. Mas há conspirações mais preocupantes a serem entendidas desde já: os produtos mercadológicos deixarão de ser imagens cromáticas e passarão a ser imagens mentais sumariamente canalizados pela nossa napa. Aí a força é bruta. Um naso desavisado é sempre um território sem lei..
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