quarta-feira, 9 de março de 2011

Rossmarkt Platz* , Frankfurt

Projekt Rossmarkt3
Um planejamento urbano que estrategiza câmeras de vigilância em diversos pontos do espaço público não está  preocupado em identificar ameaças exógenas mais que suas próprias subversividades endógenas. E aí reside  o perigo: não é a preocupação pós 11 de setembro ou a criminalidade doméstica posta sob escrutínio, é a massa  social e as fissuras pontuais que podem eventualmente germinar  “dentro”  de uma sociedade terrorista.  Sociedade “terrorista”, lembrando Henri Lefebvré, não é um estado de terror político banhado em sangue e atentados,  mas o refinamento de uma cultura em que cada um reprime o seu próximo e  se auto-reprime no intento de legitimar suas auto-compensações via consumo dirigido.  Estas compensações satisfazem as necessidades fabricadas pela enxurrada de ofertas publicitárias de produtos e serviços  que recebemos, desde o momento em que acordamos até o momento em que voltamos a dormir (e nesse sentido "Metropia"[1], a animação de  Tarik Saleh é uma brilhante metatopia[2] do que seria o mundo do consumo dirigido levado às últimas conseqüencias). No topo dessa cadeia, é claro, um Estado abstrato e intangível  que só se materializa sob a forma de câmeras de vigilância, sustentando ações corporativas que alienam o homem de suas reais necessidades. É esse o Estado do terror difuso apontado por Lefebvré. É esse o Estado de uma sociedade terrorista.  As câmeras são muito mais efetivas que armas de efeito moral em  mãos de PM´s,  pois  mexem  com o incorpóreo de nós como construção social e psicológica especialmente sensível:  a nossa imagem. Pense bem: é aterrorizante não saber o que sussurram sobre nossa imagem , é aterrorizante saber que ela é vigiada, é aterrorizante saber que a parte  mais cara para nós é a parte sobre a qual temos menos controle.  
Evoluimos, segundo Foucault, de um corpo  supliciável nas sociedades de soberania, para um corpo moldável nas sociedades disciplinares. Mas este valor corpóreo já não existe  nas sociedades terroristas. E quem nunca ouviu falar do medo de ter a “imagem arranhada”?  Arranhar a imagem é ser pego no ato por uma câmera de vigilância, não importa qual delito, e dar-se conta que o ato pode ser repetido públicamente em loop, ad infinitum. Não é a penalidade em si que aterroriza, mas sim a desgraça da imagem.  Ter a imagem arranhada é arruinar um investimento de uma vida inteira. O Estado terrorista é esse ente panóptico que  esquadrinha e disciplina nossas aspirações a um cotidiano raso e previsível. Ele tem esse poder porque  pouco a pouco e sem nos darmos conta, confiamos nossa  imagem ao seu olho eletrônico.

*Rossmarkt é um ponto nevrálgico no coração da cidade de Frankfurt. A  poucos metros de lá e estamos na casa de Wolfgang Goethe. O passado inglório de Rossmarkt vem do fato de ter sido  local de execuções e suplícios até o início do século XIX.
A escultura poliédrica e espelhada de Tomás Saraceno, bem no coração da praça,  dialoga justamente com a mudança das formas de poder, que vem desde o suplício do corpo encarnado durante as formas mais brutais do poder absoluto, ao estado terrorista moderno e supervigiado.  







[1] http://www.imdb.com/title/tt0985058/
[2] A ficção científica pode ser observada sob quatro possibilidades: alotopia, utopia, ucronia e metatopia
(ECO, 1989)

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