Projekt Rossmarkt3 |
Um planejamento urbano que estrategiza câmeras de vigilância em diversos pontos do espaço público não está preocupado em identificar ameaças exógenas mais que suas próprias subversividades endógenas. E aí reside o perigo: não é a preocupação pós 11 de setembro ou a criminalidade doméstica posta sob escrutínio, é a massa social e as fissuras pontuais que podem eventualmente germinar “dentro” de uma sociedade terrorista. Sociedade “terrorista”, lembrando Henri Lefebvré, não é um estado de terror político banhado em sangue e atentados, mas o refinamento de uma cultura em que cada um reprime o seu próximo e se auto-reprime no intento de legitimar suas auto-compensações via consumo dirigido. Estas compensações satisfazem as necessidades fabricadas pela enxurrada de ofertas publicitárias de produtos e serviços que recebemos, desde o momento em que acordamos até o momento em que voltamos a dormir (e nesse sentido "Metropia"[1], a animação de Tarik Saleh é uma brilhante metatopia[2] do que seria o mundo do consumo dirigido levado às últimas conseqüencias). No topo dessa cadeia, é claro, um Estado abstrato e intangível que só se materializa sob a forma de câmeras de vigilância, sustentando ações corporativas que alienam o homem de suas reais necessidades. É esse o Estado do terror difuso apontado por Lefebvré. É esse o Estado de uma sociedade terrorista. As câmeras são muito mais efetivas que armas de efeito moral em mãos de PM´s, pois mexem com o incorpóreo de nós como construção social e psicológica especialmente sensível: a nossa imagem. Pense bem: é aterrorizante não saber o que sussurram sobre nossa imagem , é aterrorizante saber que ela é vigiada, é aterrorizante saber que a parte mais cara para nós é a parte sobre a qual temos menos controle.
Evoluimos, segundo Foucault, de um corpo supliciável nas sociedades de soberania, para um corpo moldável nas sociedades disciplinares. Mas este valor corpóreo já não existe nas sociedades terroristas. E quem nunca ouviu falar do medo de ter a “imagem arranhada”? Arranhar a imagem é ser pego no ato por uma câmera de vigilância, não importa qual delito, e dar-se conta que o ato pode ser repetido públicamente em loop, ad infinitum. Não é a penalidade em si que aterroriza, mas sim a desgraça da imagem. Ter a imagem arranhada é arruinar um investimento de uma vida inteira. O Estado terrorista é esse ente panóptico que esquadrinha e disciplina nossas aspirações a um cotidiano raso e previsível. Ele tem esse poder porque pouco a pouco e sem nos darmos conta, confiamos nossa imagem ao seu olho eletrônico.
*Rossmarkt é um ponto nevrálgico no coração da cidade de Frankfurt. A poucos metros de lá e estamos na casa de Wolfgang Goethe. O passado inglório de Rossmarkt vem do fato de ter sido local de execuções e suplícios até o início do século XIX.
A escultura poliédrica e espelhada de Tomás Saraceno, bem no coração da praça, dialoga justamente com a mudança das formas de poder, que vem desde o suplício do corpo encarnado durante as formas mais brutais do poder absoluto, ao estado terrorista moderno e supervigiado.
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