domingo, 27 de fevereiro de 2011

Oberursel

St. Ursula Gasse


Oberursel, Altstadt. Frankfurt.
“Nunca acredite no sistema.
Seja leal. Acredite em você mesmo” (anonimo)

Alteridade é o estado permanente em que pulsa o coração do viajante. Não é  ruim, nem bom, é perturbador. Perturbador porque despersonaliza suas referências, mexe com suas polaridades e  afasta os hábitos da zona de segurança. Lidar com isso pode ser experiência brusca ou dolorosa, porque obriga quebrarmos  o molde de nossos códigos e recodificar a vida inteira. Mas precisamos nos dar conta que as exigências contemporâneas já são outras. Não viajamos mais. Se muito, visitamos. A viagem ficou na historiografia dos grandes exploradores  que invariavelmente começavam a explorar o que germinava no plano mental, e o “fora”, o “estranho”, o  “distante”  era a corporificação de suas inquietudes e a resposta dessa busca. Não perguntamos mais, e se não há pergunta também não haverá resposta preciosa o suficiente que justifique  uma busca para além dos limites de nossa casca.  Então a viagem perdeu  sentido de ser. Agora  visitamos. E  pagamos para que nos forneçam perguntas durante as visitas-relâmpago nos cafundós de Judas, lá onde os prospectos turísticos dizem ser o fim do mundo.  Fitamos abobalhados o “estranho” que também nos olha como se de um fim de mundo pertencêssemos. Miramos para eles não sabendo que nos olhamos refletidos num espelhinho de banheiro. Lemos em voz alta nossas dúvidas ensaiadas e recebemos respostas fornecidas da mesma maneira, e repentinamente Jaipur perde seu cheiro, Lima perde sua luz, Praga a sua cor. Você pagou para que o mundo abrisse a cornucópia, passou pelo caixa e recebeu uma nota fiscal.  Mas as viagens, estas não são mais possíveis. Estamos  interconectados  num mundo que nos visita enquanto imaginamos visitá-lo. Nós somos o catálogo aberto e a geografia que se oferece no birô de turismo. O mundo sabe de nós mais do que queremos saber dele. E nem sequer desconfiamos disso.
E em momentos  assim enxerguei em Lefebvré uma resposta lúcida:  a diagnose de nossa inaptidão em formular verdadeiras perguntas que se bem mediadas poderão trazer as verdadeiras respostas reside em nosso medo de errar, em  nos transbordarmos em  dúvidas legítimas, em enxergar o anverso das estruturas.  Este anverso está na periferia, e não no centro. Na periferia das metrópoles, na periferia dos grandes sistemas panópticos do mundo global, na periferia das grandes corporações, na periferia dos sistemas de pensamento engessados em disciplinas repressoras.  Enxergar esse mote é livrar-se da casca do turista-visitador e por alguns segundos, voltar a sentir a vertigem da verdadeira viagem.   E como tudo que parece novo,  é perturbador.