domingo, 10 de novembro de 2013


(Distrito de Quiapo/Manila) Abril de 2011, com Nikon D100


Lendo as notícias e vendo as fotos do tufão Hayan me vejo de volta a uma Manila confusa, gasosa, superpopulosa, com um céu eternamente blindado por uma parede de nuvens carregadas. Nem uma brisa. Só a camisa de poliamida nº10 do Flamengo grudando na barriga e  suor escorrendo em bicas. Saí a pé, em abril de 2011, de um bairro nobre  em direção à cloaca de uma metrópole cujo sistema de transporte coletivo desafiaria qualquer engenheiro de trânsito ocidental.
 Roxas Boulevard, Intra-Muros, Quezon Boulevard e por fim, Quiapo.  Quiapo é um bairro histórico e palco de importantes movimentos políticos, sublevações, seqüestros e mortes. Reduto superpovoado e decadente ao extremo beirando o canal Pasig, fétido e miasmático. Em meio à escuridão de vielas cada vez mais apertadas uma multidão de barracas vendendo lulas no espeto, Dorians abertos para consumo imediato, carne de frango e porco caramelado, já às portas da entrada da igreja do Nazareno Negro.  A necessidade de aproximar a  imagem da Candelária com a do Nazareno Negro foi instintiva. Precisava de uma referência. Estava totalmente perdido, nenhum mapa, nenhum número de telefone e sem dinheiro.  Lugar errado, camisa errada, e uma terrível vontade de me aprofundar e tomar cada vez mais contato com aquela multidão que se misturava entre velas, orações e vendas de artigos católicos.  Me veio à tona de que nas proximidades daquele quadrilátero que parecia um mini-Vaticano funcionava uma das células da Al-Qaida pré-11 de setembro.  Os que pousavam os olhos em mim apontavam o indicador e gritavam alegremente: Hey Joe!!  Mas a grande maioria apenas jazia inerte, em profunda contemplação, orando e murmurando para aqueles enormes painéis de amuletos santos piscantes.  Talvez o momento de colocar a máquina fotográfica de volta na mochila e me dissolver em total discrição  havia chegado. Mas eu estava petrificado. Não era medo, era uma coisa bem diferente, era uma doce felicidade.
Quando vejo as fotos do rastro de destruição do Hayan a doce felicidade se transforma em triste nostalgia. Mas também um secreto orgulho. Os filipinos têm tudo: furacões, terremotos, maremotos, erupções vulcânicas, um triste e insuperável abismo social, corrupção política e aquela eterna subserviência com a igreja católica. O Vaticano parece  alimentar especial interesse em combater os programas de prevenção de natalidade e de DST´s em solo filipino.
Tudo isso, e mais trezentos anos de dominação espanhola, curtas mas violentas ocupações japonesas e chinesas e outro século como colônia americana fez dos filipinos um dos povos mais resilientes do planeta.
 Não foi um furacão que espalhou essa gente franzina  de olhar  amansado pelos quatro cantos do planeta. É um problema secular, pós-colonial, mas que não altera a profunda vontade de regressar às origens. O contingente global de trabalhadores filipinos "oversea-workers" resiste a todas as intempéries culturais para juntar dinheiro e  mandar para suas famílias praticamente tudo que geram no exterior.  É uma economia esquizóide. Não existe PIB (Produto Interno Bruto), mas sim PEB (Produto Externo Bruto).
E como suas casas nativas de Nipa (folhas de palmeiras trançadas) com suas delicadas tramas que se curvam sempre quando bate aquelas tremendas tempestades, o filipino se ajoelha, reza, enterra seus mortos e recomeça.